As tramas, de
modo geral, apresentam um mundo dividido em apenas duas classes sociais. A primeira, a dos abastados,
vivendo em mansões decoradas com móveis inspirados em alguma novela de época,
estilo rococó – ou apartamentos “modernóides”, como no caso de Salve Jorge em
que todos tinham o mesmo tipo de porta de madeira. Chegaram a
reparar? Quase liguei para a Globo para perguntar o nome do marceneiro. A segunda classe é a dos
menos favorecidos que, via de regra, vivem no subúrbio e são retratados normalmente de forma
caricata e preconceituosa: pessoas que falam alto demais, cujas refeições em
família são sempre motivo de discussões acaloradas, sem esquecer que o
bonitinho do clã dos pobres, quase sempre conhece, de modo inusitado, a bonitinha
do núcleo dos abastados. Eles se apaixonam de imediato e após muitas idas e vindas; quase sempre causadas por “intrigas da oposição” - a família rica ou um amante rejeitado que, avesso ao romance, emprega todos os ardis possíveis para separá-los – ficam juntos no
final da trama e o “bem” prevalece.
No último capítulo o galã
e a estrela inevitavelmente se casam em uma igreja católica, como manda o figurino - ela, de véu
e grinalda; ele, de fraque, (nada contra os católicos, isso é apenas uma constatação),
e após o padre declará-los "marido e mulher", beijam-se, saem correndo pela porta, sob uma chuva de
arroz, dando todos os indicativos de que viverão felizes para sempre, sem uma
rusga sequer.
E o que dizer do sotaque “italianado” dos suburbanos, caso a novela
se passe em São Paulo e do “carioquês” - tão sibilante que chega a incomodar - no
caso de ela ter como centro o Rio de Janeiro.
Ah! lembrei-me de algo muito importante. As etnias. Você já viu algum japonês, chinês, javanês, etc. presidente de empresa? Não me recordo de nenhum (se minha memória estiver falha, por favor, me ajude). E os negros? Foram promovidos do status de serviçais, como eram, comumente, retratados, para os de amigos ou amigas dos protagonistas - sempre brancos, sempre lindos, quase sempre louros, quando muito com cabelos castanho claro.
Ah! lembrei-me de algo muito importante. As etnias. Você já viu algum japonês, chinês, javanês, etc. presidente de empresa? Não me recordo de nenhum (se minha memória estiver falha, por favor, me ajude). E os negros? Foram promovidos do status de serviçais, como eram, comumente, retratados, para os de amigos ou amigas dos protagonistas - sempre brancos, sempre lindos, quase sempre louros, quando muito com cabelos castanho claro.
O que mais me
incomoda, no entanto, é o perfil psicológico das personagens – não há meio
termo. Há aquelas que são boas demaaaais, tão crédulas que chegam às raias da
idiotice e os maus - psicopatas de “último grau”, sem qualquer escrúpulo ou consciência: vide o
contraste entre Tufão e Carminha, de Avenida Brasil e mais recentemente, Félix
e Bruno, de Amor à Vida.
Ademais, o mal é de modo geral ligado à ambição
desmedida como se almejar crescer, melhorar de vida fosse algo do “maligno”, conseguido
apenas por meios escusos; e o bem, atrelado à ideia de resignação, ao viver “simplório”, este de
modo geral, incensado; pois, queiramos ou não no capítulo final os “bons” são
sempre recompensados e os maus “punidos”. Não há meio termo, não há
contrapartida, não se concebe o evoluir por meios lícitos.
Tenho a impressão
de que mais do que retrato de nossa realidade, as novelas, hoje, são estertores da
moral e dos bons costumes.
Dificilmente vê-se uma personagem tendo uma "crise de consciência" que dure mais do que cinco minutos, retratando “gente como a gente”, vivendo conflitos
existenciais e retratando alguém que acorde cedo para trabalhar, não por carregar um fardo, mas para realizar algo que o satisfaça. Reparou na vida dos casais ricos retratados nas novelas? Poucas mulheres trabalham e as que o fazem é por por mero divertimento a fim de manterem-se ocupadas entre um chá entre amigas à beira de uma piscina e
outro; ao passo que aquelas que não tiveram a mesma sorte, sofrem para trazer o
pão nosso de cada dia para o lar, de modo geral, exercendo uma tarefa meramente
mecânica, que em nada as satisfaz - vide Charles Chaplin em "Tempos Modernos".
É óbvio que há
exceções, mas essas são tão poucas que dão a impressão de a personagem em
questão ter algum distúrbio ou transtorno de personalidade, inclusive por ser, de modo geral, taxada de “estranha” e pichada de inocente e alienada pelo restante do núcleo.
Meu desabafo não
quer dizer que não mais assistirei a novelas. Afinal, elas fazem parte de nossa
cultura e servem como escape da, às
vezes, tão dura realidade - um momento durante o qual ocupamo-nos da vida do outro e, por conseguinte, deixamos de lado a nossa.
Para a grande maioria, não há melhor lenitivo do que uma hora de discussão sobre o nada... do que uma hora em que se pode dar vazão ao voyeurismo ... uma hora de alienação (mas isso é assunto para um próximo post).
Para a grande maioria, não há melhor lenitivo do que uma hora de discussão sobre o nada... do que uma hora em que se pode dar vazão ao voyeurismo ... uma hora de alienação (mas isso é assunto para um próximo post).
As novelas, hoje, tomaram o lugar dos folhetins de
antigamente, a diferença está no fato de alguns desses terem se transformado em
obras de arte de nossa literatura, e de aquelas logo caírem no esquecimento, assim que a próxima tenha início.
Não poderia deixar de citar as novelas de rádio, que além de terem sido o berço de grandes atores, como Lima Duarte, à época mobilizavam multidões que paravam seus afazeres para acompanhá-las e discutir o desenlace da trama.
Não poderia deixar de citar as novelas de rádio, que além de terem sido o berço de grandes atores, como Lima Duarte, à época mobilizavam multidões que paravam seus afazeres para acompanhá-las e discutir o desenlace da trama.
Novelas são efêmeras, passageiras, transitórias, assim
como tantos outros produtos da Sociedade do Vazio, em especial relações pessoais dominadas por um jogo de gato e rato. São construídas com base na aparência, em clichês, em ideias preconcebidas, em falsas generalizações. Retratam uma visão de mundo estereotipada, ou seja, uma felicidade sem lembranças - um termo que adoro. Uma felicidade que não se sustenta, pois, na realidade, não passa de um mero momento de gozo fabricado.
Cláudia
Coelho
PAUSA PARA
REFLEXÃO
PS: Não deixa de
ser significativo o fato de as personagens ditas “do mal” hoje fazerem mais
sucesso perante ao público do que as “do bem”.Qual o motivo de tal fascínio? Aguardo sua resposta nos comentários de meu post, afinal ainda não a encontrei.
A foto acima não caberia perfeitamente na apresentação próxima novela das 21h00?