segunda-feira, 1 de abril de 2013


ORÁCULO DA ÁGUIA E DA GALINHA DE 01 DE ABRIL DE 2013
(Uma Metáfora da Condição Humana)



Ontem estava eu a assistir uma entrevista com Leonardo Boff transmitida no programa Roda Viva da TV Cultura, no qual ele versava sobre o Papa Francisco (desculpem-me o português arcaico ou lusitano, mas, por vezes, o som me agrada), quando me lembrei de um conto ou, melhor, uma parábola chamada A Águia e a Galinha, título homônimo de um dos livros do teólogo Boff - o qual se tornou um bestseller - e cuja versão que fiz gostaria de compartilhar com vocês.



Era uma vez um grande educador de nome James Aggrey, cujos alunos caminhavam quilômetros, milhas, para escutar suas palavras de sabedoria. Certo dia, perante uma audiência repleta o professor contou a seguinte história:
“Era uma vez um camponês que foi à floresta vizinha apanhar um pássaro para mantê-lo cativo em sua casa e conseguiu pegar um filhote de águia e deu-lhe de comer milho e a ração própria para gali­nhas; muito embora, as águias como rainhas de todos os pássaros, a princípio, não se contentassem com tão pouco. Cinco anos se passaram até que certo dia, o camponês recebeu em sua casa a visita de um naturalista e, enquanto os dois passeavam pelo jardim, o último disse:
- Esse pássaro aí não é galinha. É uma águia.
-De fato - disse o camponês. É uma águia. Mas eu a criei como galinha. Ela não é mais uma águia. Transformou-se em galinha como as outras, ape­sar de suas asas terem quase três metros de extensão.
- Não - retrucou o naturalista. Ela é e será sempre uma águia. Pois tem um coração de águia e seu coração a fará um dia voar às alturas.n
-Não, não - insistiu o camponês. Ela virou galinha e jamais voará como águia.
Então ambos decidiram fazer uma prova. O natura­lista tomou a águia, ergueu-a bem alto e desafiando-a disse:
- Já que és de fato uma águia, já que pertences ao céu e não à terra, abre, então, tuas asas e voa!
A águia pousou sobre o braço estendido do naturalista, olhando distraidamente ao redor e ao ver as galinhas que estavam abaixo dela ciscando grãos, pulou e juntou-se a elas.
Em vista disso, o camponês retrucou:
- Não te disse, ela virou uma simples galinha!
- Não!, tornou a insistir o naturalista. Ela é uma águia. E uma águia será sempre uma águia. Amanhã, vamos experimentar de novo.
No dia seguinte, o naturalista subiu com a águia ao teto da casa e sussurrou:
- Águia, já que tu és uma águia, abre tuas asas e voa!
Mas quando a águia viu as gali­nhas, ciscando o chão, mais uma vez, pulou e foi para junto de­las.



O camponês sorriu e voltou à carga:
- Eu te disse, ela virou uma galinha!
-Não - respondeu firmemente o naturalista.
- Ela é águia, e sempre terá um coração de águia. Vamos experimentar ainda uma última vez. Amanhã eu a farei voar.
No dia seguinte, o naturalista e o camponês levantaram bem cedo. Pegaram a águia, levaram-na para fora da cidade, ao alto de uma montanha, longe das casas dos ho­mens. O sol nascente dourava os picos das montanhas.
O naturalista ergueu a águia para o alto e or­denou-lhe:
- Águia, já que tu és uma águia, já que tu
pertence ao céu e não à terra, abre tuas asas e voa!
A águia olhou ao redor. Tremia como se expe­rimentasse nova vida. Mas não voou. Então o na­turalista segurou-a firmemente, para que mirasse em direção ao sol, para que seus olhos se enchessem da claridade solar e da vastidão do horizonte.
Nesse momento, a águia abriu suas grandes asas, grasnou com o típico kau-kau das águias e ergueu-se, soberana, sobre si mesma. E começou a voar, a voar em direção ao alto, a voar cada vez mais para o alto. Voou... voou..., até confundir-se com o firmamento...”.



O professor Aggrey, ainda extasiado, exclamou:
“- Queridos alunos! Nós fo­mos criados à imagem e semelhança de Deus! Mas há pessoas que nos fazem pensar como galinhas. E muitos de nós acreditamos que somos nada além de galinhas. Mas somos águias. Por isso, abram suas asas e voem. Voem como águias e jamais se contentem com os grãos que são jogados aos pés”.
De acordo com Leonardo Boff: “Cada um hospeda dentro de si uma águia. Sente-se portador de um projeto infinito e quer romper os limites apertados de seu arranjo existencial”.
Como daremos asas à águia, ganhar altura, integrar também a galinha e sermos heróis de nossa própria saga? 
Em minha mera opinião, ao nos conscientizarmos e acreditarmos que também somos águia, pois nossa sociedade em diversos níveis busca nos reduzir a galinhas.
Não que o arquétipo da galinha não tenha seu valor, ele representa a evolução passo a passo, o manter-se com os pés no chão, e deve cooperar com o da águia para construirmos o humano. Os dois devem trabalhar em conjunto. Mas, é importante lembrar que tudo tem seu momento, e o atual é criar condições para que o arquétipo da águia tenha condições de emergir; é primordial que nos recusemos a ser somente galinhas, vivendo em uma sociedade homogeneizada nos gostos, nas ideias, no consumo e nos valores. A galinha representa as raízes da árvore da existência, as quais têm de ser preservadas, mas não podemos abrir mão de chegar até a copa cujas folhas se alimentam  do sol, da chuva, do ar, do Universo... 



Como diz Leonardo Boff: “As águias não desprezam a terra, pois nela encontram seu alimento. Mas, não são feitas para andar na terra e sim alçar voo”.
Atualmente, visto que tantas forças nos “puxam” para olhar apenas para a terra, é imprescindível dar asas à águia que reside em nós, pois somente assim encontraremos o equilíbrio o qual compreende a síntese entre nossa águia e galinha interiores e a consciência de que uma não subsiste sem a outra; sabedores de que vivemos buscando a união de opostos, buscando:

. A águia na galinha, assim como a galinha na águia;
. A interação da matéria com espírito que é Vida;
. A concretude e a transcendência;
. O alimento do corpo assim como o do espírito;
. Além dos seres humanos, a Mãe Terra e o Universo;
. Além da vida e da morte, o renascer;
. Além da compreensão dos arquétipos, sua síntese;
. Além da resposta para o conflito, nosso Centro que tudo sabe. 



Com beijos aquilinos e galináceos, 
Cláudia Coelho