REFLEXÕES SOBRE NOSSA ÉPOCA
O Eu aspira comunicar-se com outro Eu,
com alguém igualmente livre,
com uma consciência similar à sua.
Só dessa forma pode escapar da solidão e da
loucura.
Ernesto Sábato
Passada pouco
mais de uma década do início do século XXI, já podemos contar com a visão
daqueles que buscaram ser - mais do que meros espectadores de nosso tempo - leitores
de nossa época. Alguns aventaram defini-la como “A idade da Ansiedade”; outros,
“A Era da Depressão Epidêmica” e, ainda há aqueles que a definam como “O Século
da Perversidade”. Por não querer assumir uma postura dogmática, afinal concordo
com todas as leituras feitas até então – ou seja, estamos, sim, vivendo uma
época marcada pela ansiedade, pela depressão, pela perversidade... pela
neurose, pelo consumo desenfreado; o amor descartável – a lista é extensa,
resolvi concentrar-me no pano de fundo, na mensagem sublimar inerente a todas
as definições acima: o Vazio.
Contudo, compreender
a sociedade e a época atual é um trabalho complexo haja vista o vasto número de
títulos dedicados ao tema. Nunca na história da humanidade mudanças ocorreram
com tal velocidade, em tão curto espaço de tempo. Este é um momento de ajuste
face aos avanços tecnológicos, à derrocada do modelo econômico, à nova
sociedade de consumo, aos relacionamentos virtuais. O que me leva a perguntar:
Será possível ajustar-se sadiamente a uma realidade que foge de todos os
padrões estabelecidos até então?
Nossa era está
sendo marcada pelo individualismo exacerbado; pelo descrédito nas instituições;
pela corrupção deslavada; pela violência desmesurada, pelo fanatismo do “ter”
em detrimento do “ser, a obsessão pelo poder, e mais do que tudo pela
efemeridade e perversidade das relações humanas e suas consequências.
Eu me amo, eu me amo, eu me amo
O filósofo
francês Gilles Lipovetsky (2005), já apontara para esse problema em 1983 ao
cunhar o termo e publicar o livro “A Era do Vazio”, no qual afirma que a
sociedade contemporânea passa por um processo de personalização em que o desejo
e escolhas pessoais são cada vez mais valorizados em detrimento do outro, da
comunidade – é a era do vivo comigo, por mim, para mim. Consequentemente, nossa
sociedade está criando indivíduos isentos de concretude [de valores,
sociológica, ideológica,etc.], restando-lhes nada além do vazio. É a era do
tudo posso, tudo quero, tudo tenho, mas não, do tudo Sou.
A impressão que
se tem é a de que o homem retornou à uma época anterior a de Copérnico, voltando
a se considerar o centro do Universo. Isso não invalida a importância de
nutrirmos nosso ser, valorizá-lo, desenvolvê-lo, mas, não de modo narcísico, ao
contrário, nosso objetivo deve ser a interação salutar com o mundo, com a
sociedade que nos cerca, caso contrário nos tornaremos autômatos, vivendo em
uma sociedade na qual valores superficiais – poder, status, sucesso – substituirão realidades importantes como o amor,
a família e a estrutura da comunidade. Tornou-se imperativo assumir que “Somos
o que sentimos e não o que fazemos”. (Lowen, 1983).
Parafraseando
Lipovetsky (2004), a modernidade e a pós-modernidade são conceitos
ultrapassados. Vivemos no mundo da hipermodernidade – do liberalismo
globalizado, da mercantilização do modus
vivendi e da individualização galopante – da cultura do excesso, do sempre
mais, do hipermercado, do hiperconsumo, do hipertexto, do hipercorpo, do
hipercibernético... Tudo se tornou intenso e urgente. O movimento é uma
constante e as mudanças ocorrem em um ritmo quase esquizofrênico, determinando
um tempo marcado pelo efêmero - o que era verdade ontem, hoje talvez não tenha
mais valia - a insegurança nas relações prepondera e a incerteza de quem é, na
realidade, o outro, nunca foi tão presente.
Vivemos em
tempos de ausência e aparência (ou da felicidade sem lembranças).
(contribuição de Adércio Leite Sampaio)
Se no século XX vivíamos
o risco, cujas consequências eram mensuráveis e ao analisá-las podíamos optar
por assumi-lo ou não, hoje perdemos todas as referências, todos os parâmetros
de escolha. Vivemos no mundo do “uni-duni-tê”, jogamos no escuro: qualquer um
pode criar o perfil que quiser na Internet – um Eu Digital; (semelhante ao Eu
Lírico de outrora, o outro imaginário, que falava pelo poeta, mas não era o poeta)
e vestir uma “máscara”, criar uma persona impecável e deixar um rastro de
destruição por onde quer que passe.
Em tempos de
vazio existencial o perigo de nos expormos afetivamente em uma relação que
ameace nossa integridade, ou até, nossa centelha de vida, nunca foi tão
presente. Caso tivéssemos um “raio-x de almas” seria fácil identificar se
estamos prestes a ser enredados por um predador de almas, ou não. Infelizmente
só a consciência do padrão de comportamento de tais indivíduos e da forma como
eles agem, se relacionam e escolhem suas presas pode ser de ajuda.
Espero que este
post o ajude a distinguir quem são esses “bípedes” vazios
que criam para si uma persona tão bem elaborada que torna praticamente difícil
distingui-los das pessoas comuns (veja o filme "O Psicopata Americano", lançado em 2000) - ele pode ser seu chefe, seu vizinho, seu
namorado - qualquer um dentro de seu círculo de relacionamentos, e espero que
com base nesse conhecimento consiga...
Não permitir ter
sugado teu bem mais precioso: tu’ alma.
Não permitir ser
levada a duvidar do que pensas, sentes, intuis.
Não permitir ter
destruído o Humano em ti.
Não consentir
ser abusado, ser mais uma vítima de autômatos incapazes de estabelecer relações
baseadas na verdade, na honestidade, na ética e na consciência – princípios
básicos que sempre nortearam as autênticas interações humanas.
Cláudia Coelho
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