sexta-feira, 19 de julho de 2013

19 DE JULHO - NOVELAS E ESTEREÓTIPOS


NOVELAS E ESTEREÓTIPOS

Tudo é exacerbado,
tudo é hiper,
tudo é fake...



Não sou noveleira, já fui; de carteirinha – mas já há algum tempo elas começaram a me irritar – isso não quer dizer que vez por outra eu não assista a um capítulo para não me sentir alienada e sem assunto quando estou em uma roda de conversas e o tema é o último capítulo da novela X, Y ou Z. Gosto de pelo menos saber o nome das personagens principais e seu perfil para poder dar algum pitaco. Afinal de contas as novelas são uma instituição nacional, produto de exportação, cuja proposta seria retratar nosso cotidiano. Mas será que elas atingem seu intento? Creio que não. O que observo é um retrato estereotipado de nosso país, de nossa gente, de nossa realidade.



As tramas, de modo geral, apresentam um mundo dividido em apenas duas classes sociais. A primeira, a dos abastados, vivendo em mansões decoradas com móveis inspirados em alguma novela de época, estilo rococó – ou apartamentos “modernóides”, como no caso de Salve Jorge em que todos tinham o mesmo tipo de porta de madeira. Chegaram a reparar? Quase liguei para a Globo para perguntar o nome do marceneiro. A  segunda classe é a dos menos favorecidos que, via de regra, vivem no subúrbio e são retratados normalmente de forma caricata e preconceituosa: pessoas que falam alto demais, cujas refeições em família são sempre motivo de discussões acaloradas, sem esquecer que o bonitinho do clã dos pobres, quase sempre conhece, de modo inusitado, a bonitinha do núcleo dos abastados. Eles se apaixonam de imediato e após muitas idas e vindas; quase sempre causadas por “intrigas da oposição” - a família rica ou um amante rejeitado que, avesso ao romance, emprega todos os ardis possíveis para separá-los – ficam juntos no final da trama e o “bem” prevalece. 




No último capítulo o galã e a estrela inevitavelmente se casam em uma igreja católica, como manda o figurino - ela, de véu e grinalda; ele, de fraque, (nada contra os católicos, isso é apenas uma constatação), e após o padre declará-los "marido e mulher", beijam-se, saem correndo pela porta, sob uma chuva de arroz, dando todos os indicativos de que viverão felizes para sempre, sem uma rusga sequer. 

E o que dizer do sotaque “italianado” dos suburbanos, caso a novela se passe em São Paulo e do “carioquês” - tão sibilante que chega a incomodar - no caso de ela ter como centro o Rio de Janeiro.

Ah! lembrei-me de algo muito importante. As etnias. Você já viu algum japonês, chinês, javanês, etc. presidente de empresa? Não me recordo de nenhum (se minha memória estiver falha, por favor, me ajude). E os negros? Foram promovidos do status de serviçais, como eram, comumente, retratados, para os de amigos ou amigas dos protagonistas - sempre brancos, sempre lindos, quase sempre louros, quando muito com cabelos castanho claro.







O que mais me incomoda, no entanto, é o perfil psicológico das personagens – não há meio termo. Há aquelas que são boas demaaaais, tão crédulas que chegam às raias da idiotice e os maus - psicopatas de “último grau”, sem qualquer escrúpulo ou consciência: vide o contraste entre Tufão e Carminha, de Avenida Brasil e mais recentemente, Félix e Bruno, de Amor à Vida. 




Ademais, o mal é de modo geral ligado à ambição desmedida como se almejar crescer, melhorar de vida fosse algo do “maligno”, conseguido apenas por meios escusos; e o bem, atrelado à ideia de resignação, ao viver “simplório”, este de modo geral, incensado; pois, queiramos ou não no capítulo final os “bons” são sempre recompensados e os maus “punidos”. Não há meio termo, não há contrapartida, não se concebe o evoluir por meios lícitos.







Tenho a impressão de que mais do que retrato de nossa realidade, as novelas, hoje, são estertores da moral e dos bons costumes.

Dificilmente vê-se uma personagem tendo uma "crise de consciência" que dure mais do que cinco minutos, retratando “gente como a gente”, vivendo conflitos existenciais e retratando alguém que acorde cedo para trabalhar, não por carregar um fardo, mas para realizar algo que o satisfaça. Reparou na vida dos casais ricos retratados nas novelas? Poucas mulheres trabalham e as que o fazem é por por mero divertimento a fim de manterem-se ocupadas entre um chá entre amigas à beira de uma piscina e outro; ao passo que aquelas que não tiveram a mesma sorte, sofrem para trazer o pão nosso de cada dia para o lar, de modo geral, exercendo uma tarefa meramente mecânica, que em nada as satisfaz - vide Charles Chaplin em "Tempos Modernos". 




É óbvio que há exceções, mas essas são tão poucas que dão a impressão de a personagem em questão ter algum distúrbio ou transtorno de personalidade, inclusive por ser, de modo geral,  taxada de “estranha” e pichada de inocente e alienada pelo restante do núcleo.

Meu desabafo não quer dizer que não mais assistirei a novelas. Afinal, elas fazem parte de nossa cultura e servem como escape da, às vezes, tão dura realidade - um momento durante o qual ocupamo-nos da vida do outro e, por conseguinte, deixamos de lado a nossa. 

Para a grande maioria, não há melhor lenitivo do que uma hora de discussão sobre o nada... do que uma hora  em que se pode dar vazão ao voyeurismo ... uma hora de alienação (mas isso é assunto para um próximo post).  

As novelas, hoje, tomaram o lugar dos folhetins de antigamente, a diferença está no fato de alguns desses terem se transformado em obras de arte de nossa literatura, e de aquelas logo caírem no esquecimento, assim que a próxima tenha início. 

Não poderia deixar de citar as novelas de rádio, que além de terem sido o berço de grandes atores, como Lima Duarte, à época mobilizavam multidões que paravam seus afazeres para acompanhá-las e discutir o desenlace da trama.

Novelas são efêmeras, passageiras, transitórias, assim como tantos outros produtos da Sociedade do Vazio, em especial relações pessoais dominadas por um jogo de gato e rato.  São construídas com base na aparência, em clichês, em ideias preconcebidas, em falsas generalizações. Retratam uma visão de mundo estereotipada, ou seja, uma felicidade sem lembranças - um termo que adoro. Uma felicidade que não se sustenta, pois, na realidade, não passa de um mero momento de gozo fabricado.




Cláudia Coelho
PAUSA PARA REFLEXÃO

PS: Não deixa de ser significativo o fato de as personagens ditas “do mal” hoje fazerem mais sucesso perante ao público do que as “do bem”.Qual o motivo de tal fascínio? Aguardo sua resposta nos comentários de meu post, afinal ainda não a encontrei. 




A foto acima não caberia perfeitamente na apresentação próxima novela das 21h00?

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